30 julho 2008

autobiográfico I

Já é tarde. Ele se perdeu e não sabe como voltar, apesar de ainda tentar por algumas brechas abertas para o concreto. Começou a construir um mundo que ainda não existe, não tem vida, não tem chão, não tem teto, não tem pé, não tem cabeça, não tem ninguém além dele e sua mente arquitetônica tomada de desejo, sonho, tesão, ferramentas para elaborar milimetricamente o presente ilusório.

- O que você me fez desapareça.
- Não foi nada. Eu não fiz nada disso.

Eles falaram isso durante um tempo. Um para outro. Ele queria chegar a um culpado. Ela queria não ser acusada de culpa. No fim das contas, tudo era um monólogo. Ainda assim, continuava a fim de encontrar alguma racionalidade em tudo isso...

- Não tem nem talvez ter feito.

Talvez, não. Realmente não deveria ter feito. Ele sabe disso. Ela sabe disso. Sempre souberam. Os dois. Mas ele nunca consegue dominá-la - e está para descobrir quem consiga.

Enquanto isso, ela continuava com seus objetos de trabalho a imaginar mais um pouco de um lado, mais um pouco de outro. Não precisava retocar nada, tudo era construído com a perfeição de um construtor graduado e de um exímio viajante onírico.

Enquanto isso, ele, receoso e roto, mas cheio de esperanças carregadas nas novas idéias a serem erguidas, foi pegar mais tijolos e sacos de cimento.

[em itálico - versos de Bicho de Sete Cabeças, de Zeca Baleiro, Geraldo Azevedo e Renato Rocha]

25 julho 2008

"why so serious?"

Triste ter a dimensão da grande perda que foi Heath Ledger. Seu trabalho em Brokeback Mountain já havia sido o suficiente para me deixar deveras mal ao ser surpreendido com a notícia de seu falecimento em janeiro deste ano [parece que foi ontem]. Sem dúvidas, foi o artista que mais me causou luto, pois, além de uma morte muito precoce, saber que nunca mais o veria atuando - exceto, é claro, em O Cavaleiro das Trevas - era angustiante.

Todos se lembram que na época de sua morte, a mídia comentou que um dos possíveis motivos para Ledger ter se medicado demasiadamente foi sua tamanha entrega ao personagem do Coringa, o que teria afetado, de alguma maneira, o ator. Desde então - desde sempre, na verdade - a atenção ao novo longa do Batman foca-se na nova leitura concebida pelo ator ao mafioso pintado. E não haveria outra razão para eu ao cinema senão por Heath Ledger.

Vê-lo em cena pela última vez é lamentável - atestou o que o cinema perdeu -, mas seu trabalho é tão excepcional, superando todas as expectativas geradas nesse meio tempo, que pelo menos devemos agradecer a Deus por tê-lo permitido terminar as filmagens a tempo. Desde sua primeira aparição em O Cavaleiro das Trevas ainda com poucos minutos de filme, de costas pra câmera e segurando uma máscara de palhaço e uma bolsa em cada uma das mãos, ficamos a espreita do que o Coringa reserva para nós a partir de então - e como Christopher Nolan rege a guerra entre ele e o Homem-morcego.

Sua presença em cena me causava riso e pavor. Ledger fez um trabalho de voz deixando seu Coringa ainda mais perturbador, mas que, junto com os maneirismos inseridos no personagem, torna-o extremamente engraçado e divertido. Ele é tão eloqüente, tão psicótico, tão maníaco, tão... foda [achei a palavra correta!] que me simpatizei com o vilão - e por um vários momentos, juro que adoraria vê-lo acabando com o Batman e tomando as rédeas de Gotham City.

Em todo o filme fica notável a sensação de uma maldade iminente, que é salientada toda vez em que vemos um grande sorriso vermelho na tela ou cartas de barulho. Coringa is bad e quer se divertir. Ele coloca em risco não só a Gotham e a vida de outros personagens secundários, mas principalmente - e não podia ser diferente - a identidade e existência do Homem-morcego. E além de facas e bazucas,
ainda se utiliza de jogos psicológicos para chegar ao seu objetivo, tornando-o ainda mais hostil e fascinante [sim, fascinante].

Heath Ledger constrói um dos melhores vilões dos últimos anos [não gosto dessa expressão, mas arrisco-me a usá-la] e entrega a melhor interpretação do ano - e não é cedo para dizer isso - num blockbuster da melhor qualidade, de ótimas cenas de ação e personagens densos o suficiente para nenhum pseudo-cinéfilo-cabeça colocar defeito. E vou assistir de novo! Quero me despedir mais uma vez.

22 julho 2008

antítese

Para a minha realidade, férias é sinônimo de ócio e internet - o que, na prática, acaba sendo a mesma coisa. Em frente ao computador, nada faço de produtivo [pois sem óvulo não se chega a nenhum produto] e quando me abstenho dele é a mesma coisa. Claro que culpo a minha maldita localização geográfica no Rio de Janeiro e minha escassa fonte de renda, mas não tenho como sair ileso de culpa. Livro é o que não falta; pincel, acrílica e papel estão ao meu dispor para começar a criar - mas vem o receio de no fundo ser um estudante de arte de merda e deixo os materiais dentro da estante, bem limpos, bem quietos. O que resta? Recorrer ao meu porto-seguro.

Na tarde de ontem, abro a estante de DVDs a fim de um filme que agravasse o estado o qual me encontrava - quando estamos na vala, o melhor é aproveitar: sinta tudo que pode sentir, descubra-se mais, reflita sobre suas relações e sentimentos, chore, mas não chegue ao estado fulminante, virar emo. Queria as prateleiras ocupadas por Brilho Eterno's, Brokeback Moutain's, Amélie Poulain's, Closer's para não me faltar opção.


Escolhi Hora de Voltar, fazia tempo que não assistia e atendia às minhas exigências. Que filminho bom, bonito, leve, alegre, triste... e utópico. Bem, na verdade, é um filme extremamente realista [contradição rulez!]. Todos temos um pouco do personagem do Zach Braff. Não sou a personificação do fracasso - nem me encontro rodeado por pessoas do mesmo tipo e sei nadar -, mas fico sem saber pra onde ir, às vezes me sinto sem lar, vivo em incertezas constantes e, claro, também tenho meus fracassos. O avião está entrando em turbulência e eu continuo perdido dentro de mim, preso no meu mundo inacabado - por sinal, adoro esse início.

A utopia vem quando os créditos começam a subir e percebe-se que o filme terminou.
Porra, aquilo nunca irá acontecer comigo! Não, eu não encontrarei uma garota linda e legal e de bom gosto musical que me tirará do meu mundo medíocre para juntos sabermos o que fazer, já que ela sozinha é tão perdida quanto eu. Percebi que o maior absurdo em filmes não está nos longas do James Bond ou do John McClane, mas sim nesses, que retratam pessoas extremamente reais e imperfeitas tendo desfechos extremamente felizes.

As letras continuaram subindo sobre o fundo preto, a trilha ainda tocando e eu, meio estarrecido, meio feliz, meio melancólico, sem ter o que pensar e pensando em monte de coisas.

Idiota sou eu. Fui assistir a um filme. Somos enganados por eles. Era o que eu esperava ao dar play. Se quisesse a minha realidade, continuaria aqui... Eu, minhas férias, meu computador e meu ócio.

20 julho 2008

desgosto inaudito


Essa história de "o importante é competir" é um grande eufemismo para o fracasso momentâneo. Ninguém gosta de perder. Vencer e ganhar experiência é muito melhor que só ganhar experiência. Não dá para pendurar a experiência no pescoço nem colocá-la na estante. Se nem o vice-presidente as pessoas costumam saber, o vice-campeão de qualquer coisa muito menos - só é lembrado quando somos nós mesmos.

Quando eu era criança, eu embaralhava o jogo quando perdia, desligava o vídeo-game, se o brinquedo fosse meu, ou todos brincavam ou eu sempre ganhava. Sim, uma criança estúpida, mas não me culpo; o tempo consertou. Mas continuo não gostando de perder - ou melhor, de perder! E é por isso que estou desistindo de ser vascaíno.

Para desgosto do meu pai, nunca gostei de futebol - e não entendo como a sexualidade masculina está tão vinculada a esse esporte. Jogava vez ou outra na rua quando menino, "um toque", "golzinho", e até achava divertido, mas saber jogar mesmo, só o meu irmão. Assistir muito menos. Não sei o que é pior: horário político ou partida de futebol. Odiava sair da sala porque todos queriam ver futebol... Eu ia para o quarto para não fazer nada, mas assistir jogos realmente não tinha/tenho paciência.

Uma vez que ao nascermos já temos nome e time de futebol [viva a cultura brasileira!], sou vascaíno por tradição familiar e não poderia ser diferente, pois incluindo tios e primo - que deve dar mais de 40 - mais pais e irmão, todos são cruz-maltinos, uns doentes, outros nem tanto. E tem eu, um completo insatisfeito com a herança futebolística.

O Vasco só perde! Como não acompanho, ultimamente só ouço dizerem que o Vasco perdeu, inclusive de times pequenos que nunca ouvi falar. Há anos que não conquista um campeonato. Procede? Acho que sim. Hoje, parei durante uns 15 minutos e assisti o início do segundo tempo entre Vasco e Atlético Paranaense, com o placar já marcando um gol a favor do... você sabe quem. Nesse um terço do tempo, o Vasco só teve um chute a gol, enquanto que o Atlético aumentou sua vantagem em mais um e conquistou várias outras oportunidades. Já o Vasco só cometia erros absurdos [que até um leigo se espanta] e não passava do meio de campo.

Quero um time mais legal. Alguém tem alguma sugestão? Mas posso ser o que for, entretanto, anti-flamenguista eu continuo sendo com muito orgulho. =)

vinte de julho

Dia do amigo.

Nunca uma data comemorativa soou tão irônica pra mim.

19 julho 2008

mas por incrível que pareça, a Dercy, sim.

Cacete! A Dercy morreu! Esse sujeito e predicado não combinam, parecem não fazer sentido na mesma frase. Quando eu soube da notícia não acreditei, não achava que isso aconteceria na minha geração. O que é incrível, afinal, ela chegou aos 101 anos - se a morte é certa para qualquer um, nesta idade é melhor já ir dormindo no caixão para ir se acostumando. Se acho que idade é algo totalmente irrelevante, ela personificava esse meu pensamento.

Este não é um post-homenagem, vale dizer, mas é que Dercy possuía uma força vital tamanha que mesmo vivendo um século inteiro, sua morte me espantou - e garanto que não só a mim. Adorava assistir às suas entrevistas, sua irreverência, suas baixarias, os palavrões... Ela era isso, mas não só isso. Na época em que minha avó era mais lúcida - foi-se o tempo -, sempre remetia uma figura a outra. Vó Edith abaixava a blusa para mostrar aqueles peitos enrugados e caídos para descontrair [se não for gerontófilo, não idealize], falava besteiras demais, ensaiava seu velório [isso era muito engraçado], desfilava em escola de samba e mostrava que, apesar das dificuldades que essa idade traz consigo, a vida só termina quando o coração pára de bater.

E Dercy Gonçalves sempre foi isso também. Eu nunca a vi de nenhuma outra forma a não ser alegre, rindo, contando piadas ou expondo uns pensamentos muito legais. "O ontem acabou. Não tenho mágoa de nada e nem saudade de nada. Vivo o hoje. Tenho alegria de viver, adoro a vida", disse ela uma vez em uma entrevista. São poucos os que chegam aos 100 com um pensamento deste. Mas se for pra chegar assim, eu topo.

18 julho 2008

audrey não morreu!

Um dia desses assistia A Princesa e o Plebeu - filme muito agradável, por sinal - e em cada frame com Audrey Hepburn era impossível não constatar sua tamanha semelhança com Natalie Portman. Eu sei que não fui o primeiro a perceber isso, tanto que Natalie já foi capa de revista como Holly Goolightly, personagem de Audrey em Bonequinha de Luxo - filme nem tão agradável, por sinal -, mas nunca essa beleza em comum havia ficado tão claro para mim.

E, de fato, elas são parecidas demais! Não só em beleza, o rosto clássico, perfeito demais, lindo demais, mas o jeito, o sorriso, a doçura em cena... Enfim, incrível! Passei a gostar ainda mais das duas. =)

16 julho 2008

"apesar de você..."

Arrancaram um pedaço de mim sem eu querer e sem eu deixar. Eu sei o que foi tirado, lembro do instante em que arrancaram, até o motivo eu sei, por mais que falte ser compreendido por completo. Provavelmente, não havia necessidade de pegar tudo. Não, não havia. Era muita dor de uma vez só. De sadismo, já basta eu comigo mesmo. O vazio já está palpável. Porque o vazio é o nada que ocupa espaço e pode ser sentido. Ou seja, vazio mesmo não existe. O que existe são os sentimentos que não deveriam estar no lugar residido outrora por outros. Outros que não me faziam ser tão introspectivo. Até faziam, mas não com esse tom. E dá saudade do que foi vivido e do tempo vindouro. É olhar para qualquer direção e ver um resquício da passagem, dos instantes, dos fatos... A gente tenta ser o melhor para tudo acabar em palavras melosas. Jamais qualquer palavra será precisa ao traduzir o ininteligível, mas tá registrado. Registrado o que não era para ter existido.

"... amanhã há de ser outro dia."

15 julho 2008

novo modelo

Passando hoje pela Senhor dos Passos... Rua congestionada por pessoas e comércio, onde se segura muito bem a mochila que carrega nas costas para evitar possíveis incidentes; onde pechinchar é dever de qualquer cliente; onde esbarrar em alguém é irremediável; onde se ouve muitos anúncios - tendo apenas um digno de post.

Eram muitas vozes destes anunciantes que ficam na entrada da loja gritando ofertas. Havia ainda pequenos altofalantes pendurados em algum lugar emitindo a transmissão de alguma rádio. Mas nada foi mais audível que a voz de uma mulher, vindo de algum canto, que entoava:

"Blusinha do Créu na velocidade 3 por 5,99!"

*pausa dramática*

Na hora eu soltei um "cacete!" e olhei para o céu a fim de encontrar alguma resposta, pois mesmo sendo um ser racional - pelo menos na teoria - está fora do meu alcance entender que o Créu [na velocidade 3, diga-se de passagem] ganhou uma "blusinha"! O pior é que eu consigo avistar um monte de mães comprando alegremente um modelo desse e levando para sua criança que ficará muito feliz e exibirá aos coleguinhas todo orgulhoso fazendo a tal dancinha como manda o figurino - literalmente.

Legal é que comprando uma até a velocidade 5 já tem roupa para a semana toda. Err...

Eu ia dizer que encarei meu primeiro dia de Anima Mundi, mas deixa pra próxima.

14 julho 2008

tentativa #n

Foi-se o tempo em que criar um blog era fácil. Para conseguir uma url disponível, você primeiro terá que passar por inúmeras tentativas, pois o endereço que tem em mente está sendo usado por um blog... desatualizado há muito tempo. É, pois é a coisa mais comum do mundo blogs morrerem na praia.

Por que?

Sinto-me prepotente. Já tenho um blog coletivo o qual vez ou outra sofre com certa escassez de inspiração de todos os membros mas mantém-se com fôlego e segue vingando... Por que cargas d'água quero mais um? Não gosto de viver sozinho afinal.

Será que já nasceu fadado ao fracasso?

Não eu. O blog.

Esse é o meu receio de remorso. Tenho receio dos meus futuros posts. Tenho receio de não durar muito tempo.

E tenho achado que viver é a solução para os problemas. É vivendo que tô me achando e descobrindo as pessoas. Vou fazer o mesmo por aqui.