24 setembro 2008

a clockwork orange [parte 2]

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Apesar das complexas questões que Laranja Mecânica lança ao espectador [acredito, e preciso dizer até como uma atitude de auto-reconhecimento, não ter feito jus a nenhuma delas em meu post anterior, ao manter minha abordagem rasa, ignorar outras passagens dignas de nota e não me aprofundar como gostaria de fazer – tento novamente daqui a uns anos] e por estas estarem inseridas num roteiro irretocável que também funciona por sua narração bem construída e fluida, com reviravoltas e elementos que me incitam durante todos os 136 minutos de filme – que no fim das contas acabam parecendo apenas 30 -, tudo poderia dar errado se caíssem em outras mãos. Quiçá nem seria das piores coisas, mas, com todo certeza, estaria bem aquém do material concebido por Stanley Kubrick.

Depois da leitura do livro, é de se contemplar ainda mais o apuro técnico e o estilo inconfundível presente no filme. O texto de Burgess é econômico ao descrever a ambientação e as características dos personagens - na maior parte, ele é desprovido de qualquer detalhamento dos espaços onde se desenvolvem a história de Alex. Portanto, meus irmãos [preciso usar isso de novo], quando Laranja Mecânica se inicia ao som do soberbo tema criado por Wendy Carlos, toda a magnitude visual que seus olhos apreciam é produto da mente de Kubrick. É como um prelúdio, anunciando tudo o que está por vir.

Do olhar de Alex [e não ousaria limitá-lo com adjetivos], a câmera nos revela em uma única tomada, vagarosamente, numa elegância estética da linguagem cinematográfica do diretor, todo o ambiente com uma composição simétrica dos objetos e atores - estáticos - em cena, como nos grandes quadros renascentistas, mas com uma aparência inquietante e perturbada, a qual, ao percebê-la, não consigo evitar um sorriso de orelha a orelha. Não consigo exprimir com exatidão o que sinto, contudo, é como se minha paixão pelo cinema tivesse uma ligeira justificativa.

O melhor começo.

Na cena seguinte, o diretor utiliza a câmera da mesma forma – de um pequeno quadro, aos poucos compõe um grande plano -, causando um visual magnífico com as sombras dos atores imergindo em cena. Reparem que a fonte da forte luz utilizada é revelada sem o menor problema: há um poste de luz no meio da rua e ele não está ali para cumprir uma função cenográfica, mas sim fotográfica.

Assumindo a iluminação cênica. O poste no fim da segunda imagem.

Uma iluminação semelhante é eficiente também na seqüência seguinte, no balcão abandonado, na qual a luz é assumida e modificada sem pudores por Kubrick, a fim de se obter o resultado visual que desejava. Original e o melhor possível, eu diria.

Luz dirigida ao palco se apaga numa tomada seguinte.

Dois fachos de luz se transformam em um na tomada posterior.

A luz do palco aparece novamente acesa num pequeno trecho para mostrar a agressão e na última parte da cena encontra-se apagada.

A elegância da câmera de Stanley Kubrick é a mesma de suas obras anteriores. Planos-seqüência, zoom preciso, enquadramentos incomuns e uma câmera que muito expressa a situação atual dos personagens. Nota-se, por exemplo, como a câmera permanece imóvel durante a primeira visita de Alex e seus drugues à casa do escritor [toda a ação é manifestada pelo atores], contrapondo-se com a agitada tomada que acompanha a segunda visita do nosso narrador ao local, quando ele se encontra roto, abandonado e, principalmente, “curado”. A extensa tomada de câmera na mão que nos leva ao meio do mato onde Alex será agredido contrapõe-se a todas as outras, sempre em linha reta e lentas, usadas na primeira parte do filme. Ou seja, o diretor emprega a câmera na mão somente após o tratamento de Alex, nos momentos em que é posto na posição de vítima, sendo uma tentativa de aproximar o espectador do novo estado nefasto que o personagem se encontra e, sobretudo, mudar a estética predominante do primeiro ato.

Há um relacionamento perfeito em Laranja Mecânica entre música e imagem, a sintonia genuína do cinema. Ao som de música clássica, em especial as de Ludwig Van [como Alex preferia dizer], Stanley extrai um lirismo de cenas de sexo e ultraviolência, por mais improvável que isso pareça. O ménage à trois acelerado se harmoniza brilhantemente ao som da conhecida trilha de fundo, uma cena de sexo a uma maneira nunca vista até então, ressaltando a originalidade de Kubrick em transformar uma passagem simples do roteiro em imagens incomuns e antológicas. Uma seqüência em câmera lenta contendo a agressão de Alex a seus drugues, a pancadaria no balcão abandonado e qualquer outra de mesmo teor se resultam no sublime com a trilha que as preenche.

Ainda faltava comentar sobre o figurino – que já virou um ícone do filme junto com a maquiagem de Alex -, a atuação do Malcolm McDowell – com suas caras, expressões, voz, trejeitos construiu um personagem repugnante e apaixonante, extremamente dúbio e um dos meus favoritos do cinema, sua interpretação é metade do filme – e do Patrick Magee, o escritor – geralmente não muito comentado em textos sobre a obra, mas acho sua interpretação bastante visceral –, e algumas outras cenas, mas chega. Abstenho-me em continuar escrevendo o inequívoco. É chato para mim e para você – mais para você, com certeza.

Que, ao menos, tenha ficado claro o motivo de achar Laranja Mecânica o melhor filme de Stanley Kubrick, o melhor da década de 70 [sim, melhor que O Poderoso Chefão =)] e um dos melhores de todos os tempos. Right-right-right?

6 comentários:

A Vilã disse...

Right-right, irmãozinho.

Você está cada dia melhor. =D

Pedro Henrique Gomes disse...

Do Kubrick, meu predileto é "2001", mas Laranja Mecânica é o segundo. A visão de futuro do Kubrick chega ser algo assustador. Obra-prima!

Abraço!!!

Cecilia Barroso disse...

Esse filme é realmente fantástico. Tanto que ainda não consegui falar sobre ele. Já comecei e apaguei vários texto e parece que nada chega perto de tudo que eu senti e vi quando o assisti...

O Lerdo disse...

Quando você me emprestar o DVD, poderei tecer um comentário com mais propriedade.

Só deixo aqui o pedido pra você maneirar na linguagem rebuscada quando falar de cinema... É um "soberbo", "magnífico", "inquietante", "visceral", "esquizofodastimaravicáustico" atrás do outro.

Um amigo meu me ensinou que textos assim têm um nome: "pro..." huahuahuauhauhahuauhauh

Mas tudo bem... você chegou a um ponto em que nenhum texto seu é digno de ir "pro-lixo" (hã-hã, olha o trocadilho aí xD)

Unknown disse...

horrivelmente bem...

Eduardo disse...

Right-Right! De Stanley Kubrick, além de Laranja Mecânica, só assisti Full Metal Jacket, que também vale a pena... Talvez Laranja Mecânica nem fosse tão perfeito se não tivesse essa dupla Horrorshow que foi Stanley Kubrick e Malcolm McDowell.