Certa vez não fui muito feliz em um trabalho de Artes Plásticas I. Ironicamente, era o último trabalho do semestre e deveria apresentar minha obra-prima para encerrar o período. Consistia em trabalhar a idéia que mais me agradou durante o curso e realizar uma obra irretocável - aos olhos da professora, obviamente. Fui ingênuo, mais precisamente burro, e não inovei em nada; fiz mais do mesmo: um monte de pinceladas sobre uma extensa tela de papel reciclado amassado. Em suma, uma enorme abstração.
Mas uma abstração politicamente correta [!]. E é aí que mora o perigo. Não sei por que cargas d'água quis colocar um possível sentido ecológico naquela pintura - eu nunca fui de ser mensageiro de boas políticas [muito menos em um trabalho de artes]. Todas aquelas pinceladas, olhadas à certa distância, se assemelhava a uma árvore incendiada, mas sem deixar de ser abstrata [também não seria estúpido ao ponto de fazer algo naturalista e me ferrar por completo].
A professora disse ter gostado da pintura, mas essa idéia de passar uma mensagem não havia sido uma boa escolha. Dizia que a arte não precisa disso, não existe para esses fins. E eu concordo, sendo um pouco menos extremista que ela. Arte engajada pode ser um problema. Nunca gostei de nenhuma manifestação artística carregada de boas mensagens, instruções de vida, ideologias políticas, religiosas e afins. A arte está aquém de ser um estandarte para causas compradas por seus realizadores.
O trabalho foi jogado no lixo, fiquei deprimido por algumas horas após apresentá-lo e só serviu para eu tirar uma foto que acho bacana e me fazer recordar dessa questão de "arte engajada" após o término da encenação da peça Bent, em cartaz no Teatro João Caetano até o dia 14 deste mês - ou seja, vá logo.
Bent revela um pouco da perseguição nazista aos homossexuais durante a Segunda Guerra Mundial, abordagem que por si só já torna a peça bastante atrativa, uma vez que mostra um acossamento tão estúpido e irracional quanto o sofrido pelos judeus; todavia, não é sempre que o foco de obras com esse ambiente é mudado.
Retratando o romance secreto de um casal gay durante seu exílio em um campo de concentração, a encenação possui uma cenário minimalista, tendo seus objetos de cena um estilo próprio de cor monocromática e formas simples e sugestivas, sem deixarem de ser eficientes e criar, junto com a boa iluminação, uma estética de inspirar qualquer estudante de artes cênicas [eu!]. As maiores ressalvas da peça são os atores, que ora parecem forçados demais; o terceiro ato um pouco cansativo, mas com seu clímax forte e emocionante, dá para relevar; e o público, o qual, infelizmente, não consegue notar a carga sentimental de certas cenas e cai na gargalhada.
Porém, a questão [mais] importante aqui é Bent não ser panfletário. O texto de Martin Sherman possui - e não podia ser de outra forma - um certo apelo a favor da liberdade sexual, mas faz isso de forma sutil, apenas desenvolvendo o romance fictício em uma realidade pretérita. Mas sem levantar bandeira; ele mostra fatos. Apesar de neste caso ter um contexto homossexual, a peça diz é que devemos vestir a camisa do que realmente somos, de sermos verdadeiros para nós mesmo - a verdade mais relevante, afinal -, independente das represálias sociais, que naquele cenário nazista eram hostis e cruéis, mas ainda continuam repressoras.
Em off, no fim da peça, é dito que o Brasil é um dos países campeões em agressão a homossexuais. Um tema para um post futuro, quem sabe... Uhm, ou não... Blog engajado é uma merda.
04 agosto 2008
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5 comentários:
esse post foi tão epistemológico...
=D
Deu vontade de assistir a peça!
Esse tema tá bem presente
em mim por causa do Colóquio sobre Holocausto que tivemos lá no IM... inesquecível! Contamos com o testemunho de um sobrevivente... judeu! Inclusive tinha feito um super post contando essa experiência, mas infelizmente meu blog tem vontade própria às vzs, e me deixou na mão...
Quem sabe retomo as considerações depois de assistir a peça?!
Considerar a partir de outro ângulo pode ser legal...
Confessa que você só fez esse post pra dizer que viu uma peça que tem um homem pelado, vai...
Esse negócio de arte panfletária é perigoso. Uma vez eu vi uma exposição com várias esculturas esquisitas (acho que eu estava com voces... ou com a minha mãe? ah, nao importa) e o argumento de que elas estavam lá porque a única solução para os problemas socioambientais do mundo é a arte. Mais arrogante, impossível. É difícil transmitir uma mensagem que você apóia, mas não é originalmente sua. Corre-se o risco de desvirtuar, ou até emburrecê-la. Por isso que o Manoel Carlos se irritou tanto com os artistas. Eles adoram dar uma de que são "cabeça" e falam uma merda atrás da outra.
KCT, meu comentário foi de homem pelado ao Manoel Carlos xD
Sobre o post anterior: eu sempre disse que ela era fantástica!
Sobre esse post: Eu nunca gostei de arte engajada, porque me parece forçada. Acho que arte tem que ser espontânea, senão vira, sei lá, propaganda, talvez. E ninguém acorda de manhã pensando "caralho, vou criar uma música sobre os golfinhos!", a gente não olha pra tão longe do próprio umbigo, infelizmente (pros golfinhos, em especial).
É.
Da arte engajada para um peça engajada.
Do extremismo da professora ao extremismo da intolerância.
Da abstração e libertação [sua ao pintar] a liberdade sexual dos personagens da peça.
Um caminho?
um ligação?
De longe, sim!
Mas de longe, vejo só um blog flamejando engaamento...
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