23 agosto 2008

insólito

Ignorando o período de exílio e desânimo, ele volta a escrever como se seu último post estivesse datado há, no máximo, dois dias. E também procura - um pouco sem sucesso, é verdade - não se preocupar se neste tempo de recesso seu blog perdeu a pouca credibilidade que tinha - ele acha que tinha. Não fez jus a alguns acontecimentos ocorridos neste ínterim, preferindo [não por questão de vontade, mas de disposição] guardá-los só para si. E isso inclui um encontro inesperado com David Lynch, um de seus cineastas favoritos, no estacionamento de uma faculdade na Barra da Tijuca.

Não, ele não devia ter deixado esse ocorrido passar em branco. Apesar que ainda tem esse momento tão bem guardado dentro de si que poderia escrever o episódio agora, com riquezas de detalhes e tentar, por mais difícil que seja, transcrever a emoção que sentiu no momento. Ele ainda pode fazer isso, mas não desta vez.

Novamente terei que começar escrevendo sobre um trabalho de Artes Plásticas, mas não será como o post anterior. Definitivamente, não será. Desta vez, é um novo período; a disciplina ganhou mais um i em letra maiúscula no seu nome; não só é o primeiro trabalho do semestre, como também o primeiro a se trabalhar uma idéia chamada site-specific. Entretanto, a principal diferença é que não compartilharei uma infelicidade na concepção de um trabalho, mas a descrença quanto à boa índole do ser humano. Sim, tão triste quanto.

De modo bem resumido, site-specific, como o nome já indica, é realizar um trabalho artístico em um determinado lugar, ou seja, a arte é concebida para um "lugar específico". Em outra locação, o trabalho não faria sentido, seja ele uma intervenção ou uma performance. Caso queira se aprofundar no assunto, Google, Wikipedia e afins podem lhe ser úteis. No mais, isso é tudo que precisa saber para esta pequena odisséia fazer um pouco de sentido.

Depois de descobrir lugares bem incomuns na minha faculdade, no fim das contas, decido pela entrada do departamento de Cenografia. Um lugar pequeno que além da escada que dá para os andares de cima, agrega dois telefones públicos e - o que me chamou atenção -, próximo ao chão, um buraco em forma de quadrado na parede, que está sempre fechado por uma espécie de “janelinha” [não acho palavra melhor].

Fato 1: ninguém sabe o que buraco faz ali.
Fato 2: ninguém tem a curiosidade de abri-lo e ver onde ele dá.

Se não fosse pelo trabalho, provavelmente nunca o abriria. Ao olhar por ele, vê-se uma “casinha” [não acho palavra melhor], onde a bomba d'água fica isolada, sobre um elevado de concreto. Tudo cercado por prédios e árvores

A fim de evitar ser prolixo, prefiro não escrever todo o processo do trabalho e o que pretendia com o mesmo. A única coisa importante agora foi eu ter colocado dois telefones sobre o elevado, próximo à "casinha". Para isso, é preciso dar uma volta no prédio, passando pelos seus fundos, onde se encontra a “casa dos serventes” [não ach... enfim], entulhos, mais árvores, para só então chegar ao desejado destino. Uma distância considerável quando se está apressado e nervoso, dois estados em que me encontraria momento mais tarde.

Depois de todo o local ajeitado, estava pronto o trabalho. Mas não por muito tempo.

- Vamos lá ver meu trabalho – disse eu, um pouco entusiasmado, para um amigo.

Ele, sem muita vontade, aceita o convite. Ao chegarmos ao local, há um certo estranhamento de sua parte. Pronto, ninguém vai compreender o que eu fiz.

- Cara, analise bem o lugar. Repare em tudo. E depois abra a janelinha – é melhor logo instruir, antes que venham maiores desapontamentos.

Ele segue minhas instruções.

- É esse o seu trabalho? – disse ele, olhando para o outro ambiente pelo buraco e frustrando todas as minhas pretensões artísticas.

- É, cara! – confirmei já um pouco inconformado. – Repare nos dois telefones que há aí. Há todo um sentido.

- Telefone? Não tem nenhum telefone aqui.

Fui averiguar pelo buraco e concluir que ele realmente não estava dando a mínima para o trabalho.

- Ih, caralho! Roubaram meus telefones.

Ele começa a rir e eu começo a reclamar e repetir diversas vezes que “roubaram meu telefone”. Não poderia imaginar um furto como esse. Como suspeitar o roubo de dois velhos aparelhos telefônicos que nem faziam mais ligações?! A partir desse momento, meio que a humanidade não tem salvação.

Contornei o prédio, passei pela “casa dos serventes”, pelos entulhos, pelas árvores e constatei que realmente meus telefones não estavam lá, o que significa que meu trabalho já não existe mais, que a aula está para começar e eu não tenho o que apresentar, que acreditar na inocência das pessoas não vale a pena e que o mundo está perdido.

Fui até a casa onde se encontravam alguns serventes para procurar saber se meus telefones haviam sido abduzidos.

- Boa tarde. Vocês viram alguém indo para lá? – indiquei com o dedo a direção do local.

- Sim. O Secretário Administrativo.

Ufa, não eram alienígenas. Mas gelei como se tivesse sido.

- É que havia dois telefones lá...

- Sim, ele pegou. Aquilo ali é uma cisterna. Não se pode colocar nada em cima de cisterna. É lei.

Ferrou. Agora além de tentar recuperar o meu trabalho, tenho que torcer para não ser preso.

- Vamos, eu te levo até a ele.

Eu fui. Com medo. Odeio ser repreendido. E também odiaria ir para a cadeia.

- Ele é gente boa – continuou o servente.

Não parece, mas gostaria que fosse.

Ele não estava em sua sala. Informaram-nos que estava no quinto andar. Deve ter levado o caso para outro escalão. Depois de esperar alguns minutos em vão, fui me despedir dos meus amigos de faculdade e dizer que gosto muito de todos, mas iria usar minha única ligação na cadeia para pedir desculpas a minha mãe por não conhecer as leis do nosso país e causar esse desgosto tão prematuro para ela. Neste meio tempo, encontro a professora da disciplina, explico a situação e ela disse a coisa mais óbvia e a única que precisava ouvir.

- Vá buscar seus telefones.

Ao subir as escadas apressado, chego ao quinto andar e em frente ao elevador, avisto um homem com dois telefones na mão. Eu não tive a menor dúvida. Era o Secretário Administrativo.

[- Boa tarde. Os telefones são meus. Pode me prender.]

- Boa... tarde. Olá. É... Os telefones são meus.

- Uhm. Você ia fazer ligação clandestina?

- ... ... Hã? – depois de pensar durante um tempo, continuo. – Não!

- Ah. Eu pensei que você fosse puxar o fio dos orelhões para fazer ligação.

Eu meio que ainda não estava acreditando no que ouvia.

- Não, jamais. Que isso. Não, pô! – não conseguia levar a conversa direito.

- É que já fizeram isso outras vezes. Aí quando eu vi os telefones fui logo pegar e comunicar à direção.

- Mas não. Isso jamais passou pela minha cabeça. E nem poderia imaginar que fosse possível alguém pensar nesta hipótese. – já conseguia me comunicar melhor. - É apenas um trabalho. Logo irei tirá-los de lá.

Ele sorri.

- É, mas já aconteceu.

O elevador chegou. Ele devolveu os telefones enquanto eu continuava negando que não faria uma ligação clandestina.

Livre, trabalho recuperado [leia-se: telefones de volta a seus lugares de origem] e se perguntando até agora se de fato existe uma lei que proíba colocar qualquer objeto sobre cisternas.

9 comentários:

leandro. disse...

Na verdade, eu fui um pouco mais agressivo:

"Que merda! Isso é um trabalho? Que merda!"

Mas enfim, eles deixaram você colocar os telefones na cisterna?

O Lerdo disse...

Conhecendo você, acho que a história do medo de ser preso e da ligação pra sua mãe não foram um "exagero poético"... ^^

Mas enfim, eles deixaram você colocar os telefones na cisterna?[2] (Detesto isso de repetir frase dos outros e colocar um número entre colchetes depois uhuhahuahuahuaa)

Prof. Aline Costa disse...

Nooossa, quanta emoção num único trabalho! rs
A expressividade do seu amigo ao retratá-lo foi única! rsrsrs

Mas enfim, eles deixaram você colocar os telefones na cisterna?[3]

Anônimo disse...

Incrível!
Depois disso escreva um roteiro e mande para seu cineasta favorito.
Preso, sem telefone para telefonema!
Ótimo filme! rs

jeff disse...

Pensei que havia ficado claro que pus os telefones sobre a cisterna novamente ao dizer "trabalho recuperado". Pelo visto, não.

Já atualizei.

Anônimo disse...

rsrsrsrs

rsrsrs

rsrs

rs

ai ai

O Lerdo disse...

Mas enfim, por que raios você colocou dois telefones na cisterna??? huauhauhauhauuah

Mia disse...

opa!
realmente seu trabalho se tornou uma odisséia.. mas não posso deixar de fazer essa pergunta:
O que de fato os telefones faziam em cima da cisterna??

Desculpe, minha ignorância artistica.. xD

Krika disse...

Seu blog é maneiro!
Mas que trabalho é esse hein...

Bjo